Em maio de 2021 entrou em vigor a Lei nº 14.151, a qual “dispõe sobre o afastamento das funcionárias gestantes das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus”.
O artigo 1º da referida lei garante o afastamento das empregadas gestantes do ambiente de trabalho enquanto perdurar a pandemia decorrente do coronavírus. Vejamos:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Além de garantir que a gestante não fique exposta ao risco, garante a ela o direito de sua remuneração, o que é o correto, não havendo críticas a serem tecidas neste particular.
Ainda, o parágrafo único do artigo acima transcrito, acrescenta que esta funcionária ficará a disposição para a prestação de serviços home office, o que é possível observar a partir da transcrição abaixo:
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Ocorre que, não há previsão legal para os casos em que a gestante não pode, por conta da natureza da sua profissão, prestar seus serviços por meio do teletrabalho, e tampouco, de quem irá arcar com a remuneração desta funcionária.
É importante pensar que há várias profissões que não podem ser exercida através do teletrabalho, como por exemplo, enfermagem, servente de limpeza, esteticista, cozinheira, trabalhadoras da indústria (“chão de fábrica”), dentre outras.
Por isso a dúvida que fica é: nos casos em que não é possível a gestante prestar serviço na modalidade de teletrabalho, de quem é a responsabilidade pelo pagamento de sua remuneração?
Pois bem, em virtude dessa omissão legislativa, restou ao Judiciário analisar a questão e trazer uma solução, pautada na lei em vigência, de quem ou qual órgão deverá se responsabilizar pelo pagamento da remuneração da funcionária gestante afastada do trabalho em decorrência do coronavírus, e que não poderiam exercer suas atividades na modalidade do teletrabalho.
Frise-se, por oportuno, que não há dúvidas que aquelas gestantes que podem realizar o trabalho home office, trabalhar de sua própria casa, continuarão a ser remuneradas pelo seu empregador.
Já nos casos em que a atividade profissional é incompatível com o trabalho a distância, a remuneração deverá ser custeada pelo INSS – Instituto Nacional do Seguro Social, conforme decisão proferida pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, nos autos do processo 5006449-07.2021.4.03.6183.
Isso porque, como muito bem salientado na construção da fundamentação dessa decisão, a licença gestante, com duração de cento e vinte dias é um direito fundamental previsto no artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal. Vejamos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XVIII – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
Ainda, não é demais rememorar que os artigos 196; 201, inciso II; 226 e 227 todos da Constituição Federal, protegem os direitos de todos à saúde, maternidade, família e a sociedade. Vejamos:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(…)
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ainda, se não bastasse, temos o inciso III, do artigo 3º da Constituição Federal, o qual prevê como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais.
Portanto, nestes casos se faz necessário a aplicação, também, dos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, não restando alternativa a Seguridade Social, senão arcar com a remuneração da gestante afastada de sua atividade e que esta seja incompatível com o home office.
Observe-se, que é dever da sociedade, como um todo, financiar a Seguridade Social, de forma direta ou indireta, o que traduz o princípio da solidariedade.
Por fim e não menos importante, o artigo 71 da Lei 8.213/1991, prevê que o salário maternidade é devido pela Previdência a gestante. Vejamos:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de 2003)
No entanto, a fim de não prejudicar a funcionária gestante, o entendimento esposado na decisão ora citada, é expressa no sentido de que cabe a pessoa jurídica pagar a remuneração para as suas funcionárias gestantes, remuneração esta que assumirá o caráter de salário-maternidade.
Em razão da natureza, extraordinária, de salário-maternidade, caberá ao INSS a responsabilidade final pelo pagamento deste salário, restando autorizado, para este caso concreto, a “compensação com as contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos.
Logo, não há falar em ausência de responsabilidade do empregador para pagamento da remuneração da funcionária gestante afastada e impossibilitada de trabalhar home office em razão da atividade por ela exercida.
O olhar para esses casos concretos nos leva a crer que o empregador poderá buscar a compensação junto a Previdência Social do valor despendido para garantir a Remuneração da funcionária afastada, que possui natureza, de forma extraordinária, de salário-maternidade.
Autoria: Fundadores ABRAPJU